Um Conto de Dezembro

O verão se aproximava com o anoitecer mais longo. A cidade só respirava tons vermelhos, brancos e verdes. Sim, era Natal (mesmo com 20 dias de antecedência). Como era habitual, ir à rua era prioridade do meu sábado. A Avenida Sete era meu destino. Incerto era saber: Natal ou Carnaval? Tudo estava congestionado das calçadas às pistas. Ou seja, numa avenida nomeada de setembro, no mês de dezembro com fluxo de fevereiro? Só posso te confessar que: Isso é Salvador! O sentido era não fazer sentido.

Dizem que para tudo há uma razão. Esperava realmente achar uma na Avenida Sete, em busca de algo parecendo não existir numa via comercial - damasco.  O que seria da vida sem as mães nos mandando para missões complexas e desafiadoras?
Apois, o desafio não deixava de ser um estímulo. Mais umas compras básicas para enfeitar a casa e tudo pronto. Certo? Bem... Conte com as filas. E como é de praxe, procurar mais, pagando menos. Nessas horas bate a vontade de ser rico e mandar comprarem para você. Ou até comprar qualquer coisa na Le Biscuit e tudo fica lindo do mesmo jeito. Porém, acontece que não sou. Ser pobre  não me permite pensar muito sobre isso.
Pisca-pisca comprado, adereços ajustados, me faltavam os damascos, nessa altura, mais difíceis que conquistar o Barroquinha das 06:30. De toda maneira, seguia minha caminhada. Depois do corredor da Piedade, saí na sinaleira do Center Lapa. 34ºC e uma integridade se encerrando suor abaixo.
Por alguma razão a mais, eu tinha de estar ali, andando ~no meio do povão~ e parar no semáforo indicando:  Pare.
Ela parou. Eu também.
Nossos olhos se cruzaram e não conseguia mais deixar de fixar. Não é todo dia que alguém, ou mais especificamente, Ela, iria deixar você seguir seu caminho. O mundo ao redor pareceu parar. Meu mundo parou. Seus cachos castanhos se contradiziam com seu ar executivo. Os olhos verdes não estavam dispostas a sabe de outra direção. Nada mais parecia importar desde então.
Nunca pude crer muito em amor à primeira vista. Me peguei enganado.
Grande era a sintonia, ignorando o vidro e alguns metros que nos separavam. 
Os 30 segundos se encerraram e o semáforo tratou de indicar o indesejado: Siga.
Não queria perdê-la de vista e ela tampouco. Era loucura? Ou não? As buzinas começaram a chiar e o choque de realidade se impôs. Segui parado enquanto seu carro acelerou a fim de romper o clima.

Por ironia ou não, me virei e um senhor estava (finalmente) vendendo a fruta impossível. Depois de tanta procura e sacrifício, estava ali do lado. Comprei e pensei na tal garota. Se tudo tinha seu preço e sacrifício, para tê-la, deveria realizar isso.
Coincidência ou não, faltava uma coisa para definitivamente tomar a decisão de procurá-la. Nunca dessas barracas, Pablo começou a tocar e não pude deixar de notar.
"Baby, Baby, Baby,
Sem você eu choro.
Baby, Baby, Baby
Oh Baby, te adoro..."
Pablo me inspirou e fiz o que poderia ser considerada a maior loucura já feita por mim: correr atrás de alguém nunca visto anteriormente.
Das maiores loucuras, paixões emergem...
Corri pela Joana Angélica na busca. Imaginei quão stalker estava sendo. Tava mais pra stalker TIM, sem fronteiras. Porém não poderia desistir. Não dessa vez.
Num golpe de vista, seu carro estava estacionado.
- Thanks, God.

Naquela altura, pouco importava correr feito um doido pela avenida e cheio de sacolas. Era Ela e exigia isso. Enfim chegando ao carro, o mesmo se encontrava fechado, travado, escuro e sem ninguém.
Nem sei porque diabos estava tentando encontrá-la ainda aqui. Pensava e avistava onde poderia estar, até ser interrompido por um som.
- Perdeu alguma coisa?
Era sua voz num tom apaixonante, soando, porém, de maneira séria e reguladora.
- Eu... Eu...
Faltaram palavras para dizer o que perdi. Seu tom me inibiu e a magia parecia ter se perdido.
- Eu...
Ela me olhava fixamente e com um ar de desafio. Percebendo então tudo que fiz para estar ali, de frente a possível mulher dos meus filhos, só me restavam as desculpas.
- Olha, eu não que...
- Xiu.
Assenti. Depois de minutos, percebi que estávamos na frente de uma rua estranha, lugar provavelmente indevido para uma conversa. Eu disse: provavelmente. A executiva não pensava desse jeito. Parecia disposta a acabar com tudo ali mesmo.
A rua era um sinal claro de derrota. Quase ninguém a vista, o odor de urina e poças lamacentas pelos paralelepípedos.
- Me desculpe.
O que eu tava fazendo mesmo?
- Desculpe por te seguir até aqui.
Ela andou em minha direção e me colocou contra a parede. Estava frito.
- Eu não sei o que tava pensando...
- Eu sei - disse calculista.
Pôs a mão em seu bolso e larguei as sacolas no chão. Era hora de ir para outra dimensão.
- Eu sei bem o que você quer... - seguiu passando um batom vermelho periguete em sua boca.
Até para matar precisa de maquiagem?
Sua mão subiu perigosamente ao longo do meu peito e estava no meu pescoço. Não sei como, mas isso me parecia excitante.
- Moça, eu...
- Calado.
Ríspida e prática.
Beijou-me para por fim às palavras, pensamentos e outros mais. Demorou o suficiente para faltar o ar e só me calar ao observá-la irretocável.
Pegou mais acessórios em seu bolso (como eles estão mais fundos hoje em dia, hein?) e tratou de anotar seu número seguido de seu nome.
Joana. Soava lindamente.
- Trate de não me esquecer.
Seguiu em direção ao seu carro, sem mais ser vista.
- Seria loucura. Pensei.
Assim ela se foi. Dessa vez, com a certeza de encontrá-la mais uma vez.


Pude voltar a realidade do dia. Desci pela Joana Angélica (a-ha) e depois à Barroquinha. Sorrindo de canto a canto, com as lembranças do seu doce beijo. É, deve ser tempo de amar...

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